domingo, 2 de dezembro de 2007

Sonhos e desejos na classe

A aula estava uma bagunça. O professor mal conseguia explicar o assunto que já não fluía mais nem com os poucos alunos interessados na aprendizagem intelectual, por causa do intenso barulho que os outros faziam. Tiros de bolinhas de papel, conversas contínuas e gargalhadas escandalizantes contribuíam para aquele estado da aula.
— Gente! Assim, não dá para se dar uma aula—reclamava o professor—o que vocês querem da vida?
— Eu quero transar!—gritou um aluno.
— Mas vocês só pensam em prazer?—retrucou o professor.
— Eu penso em ganhar dinheiro.—manifestou-se um outro aluno.
— E como você pensa em ganhar dinheiro?—ressaltou o educador—Você acha que os estudos nada têm a ver com o sucesso econômico, meu jovem?
— Ah, professor! Quem sabe eu arranjo uma mulher rica e viro gigolô. Assim, não preciso estudar nada—caçoou o aluno.
As gargalhadas, juntamente com os outros ingredientes, voltaram a fazer parte da receita da classe. A aula estava um caos, quando a coordenadora entrou e falou:
— Mas o que é isso?! Onde vocês pensam que estão; na casa da “mãe Joana”? Vocês acham que isso é atitude de rapazes e moças do ensino médio? Vocês são extremamente infantis, minha gente. Vocês estão perdidos no ano e ainda continuam bagunçando. Vocês não respeitam ninguém, nem a si próprios. Vocês são medíocres, é isso que vocês são: medíocres!...
Neste momento, um aluno imagina toda a classe mobilizada contra a coordenadora. Ela tenta fugir inutilmente, pois os alunos criam uma barreira ao redor dela.
— Agora chegou a sua vez, sua opressora—diz um aluno.
— Nós vamos acabar com você de porrada—afirma outro.
— Não, por favor!—exclamou a mulher—eu estou arrependida.
— Agora é tarde—gritaram em coro.
— Espere, gente. Que tal fazermos um jogo com ela?—ressalta um outro estudante.
— Um jogo?—perguntam os colegas—Que jogo?
— Sim. Um jogo. Olhem só: nós vamos fazer perguntas a ela sobre nossas vidas. Se ela errar, escolheremos um jeito para maltratá-la.
— E se eu acertar?—retrucou a pedagoga.
— Se você acertar, faremos várias perguntas até você errar—brincou o garoto vamos amarrá-la numa cadeira e começar o jogo.
Os alunos amarraram a coordenadora e deram logo início à diversão:
— Quem vai começar?—perguntou o idealizador do jogo.
— Eu começo—disse um menino.
— Logo você, Paulo? Você é totalmente desinteressado na aula. Só vive perturbando na sala—zangou-se a prisioneira.
— Ah, é? Então você vai me responder porque eu sou assim, professora.
— Por quê? Porque você é um idiota!
— Ela acertou, Paulo?—perguntou o colega.
— Não. Ela errou. Sabe por que eu sou assim, nobre educadora? Porque meus pais não dão a atenção que eu preciso. Eles mal conversam comigo. Quando tiro notas altas nas provas, eles dizem que é a minha obrigação. Não me fazem nenhum elogio. Pelo menos quando eu bagunço na sala e você os chama para uma reunião, eles me dão um pouco de atenção.
— Se ela errou, deve tomar uma porradinha...
— Não façam isso comigo!—implorou a coordenadora.
— Olha, pessoal! Vamos dar uma chance a ela. Se ela errar mais duas perguntas, podemos espancá-la.
— Certo!—gritou a maioria.
— Eu sou o próximo—pediu um rapaz—Me responda, professora: por que eu sempre gosto de me exibir na sala?
— Porque você é palhaço!
— Resposta errada. Eu gosto de me exibir porque quero ser aceito no grupo, na sociedade. Eu quero ser o mais popular da sala. Como intensifica a mídia, o mais popular é o mais bonito e mais engraçado. E como quero tanto isso, leio todo dia uma piada, para ficar engraçado, e tomo anabolizantes para ficar forte e mais bonito, conseqüentemente. Se você for observar os desfiles de moda, os modelos são sempre bem musculosos. Por isso, eu só penso em malhar.
— A terceira pergunta é a minha—antecipa-se um outro aluno.
— Se errar essa, vai ser linchada—diz o mentor do jogo.
— Vocês não têm o direito...—reclama a mulher.
— Cala a boca e ouve a pergunta: por que eu não estudo, no colégio?
— Porque você é simplesmente desinteressado. Você nunca vai passar numa faculdade pública, Carlos!—irritou-se a pedagoga.
— Você errou, pois não foi à questão central. Eu não estudo porque não preciso, para passar numa faculdade particular. É só eu pagar, para a instituição me dar o diploma—respondeu o Carlos.
— Vamos espancá-la—atiçou o criador da brincadeira—vamos acabar com esta opressora!
A pancadaria foi interrompida, pois, nesse momento, a ilustre coordenadora estava gritando com o aluno da mente fértil. Este voltou à realidade através dos berros da prisioneira da sua imaginação:
— Sérgio?! Eu estou falando com você! Você está surdo?!
— O quê, professora?
— Em quantas disciplinas você perdeu nessa unidade? Me responda.
— Seis, professora—respondeu constrangido o aluno.
— O que você fez durante a unidade inteira para perder em seis matérias? Você está jogando o dinheiro dos seus pais fora! Já estou cansada dessa turma! Mesmo alertando, vocês continuam do jeito que estão.
A pedagoga sai da sala e Sérgio ficou acuado e com muita vergonha. Mas não foi só ele. Quase todos tinham uma expressão calada e tímida. Porém, os olhos demonstravam a revolta que permanecia latente na sala de aula.
(David Alves Gomes - 2005)

Nenhum comentário:

Licença Creative Commons
O trabalho Blog Vida e Dialetica de David Alves Gomes foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Brasil.
Com base no trabalho disponível em vidaedialetica.blogspot.com.