sábado, 22 de dezembro de 2007

Feliz dia novo


Bem, o final de ano está chegando. Com ele vem as festas de Natal e Ano Novo; período em que muitas pessoas ficam mais felizes, é o chamado espírito natalino acompanhado pela esperança de uma vida melhor para o ano vindouro.
No Natal, a pieguice cristã aflora-se em grande parte da população. Tudo é comovente, todos estão dispostos a ajudar o próximo, o necessitado. Lágrimas rolam, campanhas de solidariedade surgem para dar um Natal mais digno para a população carente. Às vezes até tenho dúvidas se tais pessoas vivem o ano inteiro ou apenas vivem no período natalino. Será que essas pessoas são abduzidas por um E.T. durante o ano? Ou será que elas ficam dormindo e só acordam quando as trombetas divinas são tocadas no mês de dezembro? Talvez as pessoas caridosas fiquem tão emotivas e solidárias no Natal por desencargo de consciência: as classes mais abastadas adoram esses tipos de ações, pois tiram o peso da consciência da miséria produzida pela concentração excessiva da renda. Dormem mais tranqüilos.
Além disso, a festa natalina já se tornou uma festa comercial. A figura do Papai-Noel (bizarro com suas roupas para frio num clima tropical brasileiro, afinal foi importado dos Estados Unidos) exerce muita força nas propagandas publicitárias, distribuindo presentes para as crianças. E como se sentem as crianças de famílias pobres, que não podem ganhar presentes no Natal? Vão sempre depender da pieguice cristã das classes altas e organizadores de campanhas? Os piegas não têm condições de atender a todas as crianças pobres.
Juntamente com o Natal, a festa de Ano Novo traz muita esperança na população. Esperança sempre é bom. Você deve ter esperança de um projeto seu se concretizar, esperança de conseguir um emprego melhor, de ter uma vida melhor. Mas não deve ter falsas esperanças, senão elas viram sonhos, ilusões. Para se ter uma vida melhor é preciso que se cultivem condições necessárias à sua melhoria. E não vai ser por determinação divina ou pensamento positivo que a vida vai melhorar. Muito menos porque chegou o final de ano. Se quisermos um emprego mais digno, por exemplo, podemos estudar ou nos especializar em alguma área. Se quisermos ter saúde, pra quem tem dinheiro é mais fácil, pois pode se alimentar bem e ter um plano de saúde; para quem não tem nada disso, deve lutar para uma melhor saúde pública, para conseguir melhores salários para uma melhor alimentação. Se o Estado não dá condições para realizarmos o que almejamos, a luta é imprescindível. Não vai ser somente através de nossa esperança que vamos ter um ano novo cheio de realizações, saúde, paz e dinheiro.
Assim, deixemos de lado o espírito natalino, a excessiva esperança. Lutemos por uma vida melhor, uma vida mais feliz, não apenas no Natal. É através da nossa luta diária que construímos um mundo melhor, que fazemos um ano verdadeiramente novo. Não é através de falsas esperanças ou de assistencialismos periódicos. Deixem isso para os piegas.

(David Alves Gomes – 21 de dezembro de 2007)

domingo, 2 de dezembro de 2007

Alegria de amar

Oi minha linda
Você está aí ainda?
Estou louco por você
Só você que não vê

Quando olho para suas pernas
Pareço ter uma febre interna
Quando fito os seus lindos seios
Meus pensamentos ficam cheios

Só você assim tão bonita
Com facilidade me excita
Mas tu não és somente corpo
Minha linda, isto é muito pouco

A sua inteligência também me atrai
É uma das coisas que não me distrai
Ouço atentamente sua linda voz
Sensata como o amor que tenho por nós

Às vezes até tenho medo
De nos seus olhos mergulhar
E à superfície
Nunca mais voltar

Muitas vezes percebo
Que comigo você quer mergulhar
Nesse abismo infinito, contraditório e ardente
Que é a alegria de amar.

(David Alves Gomes – Novembro/2007)

Dia-a-dialética*

Antes eu não pensava como hoje
O mundo mudou
Eu opinava diferente
O planeta se transformou

Lutas de classes
Conflitos psicológicos
Minhas ações mudaram
Não são mais as mesmas

A cada dia uma mudança
Minha cabeça não é hermética
A sociedade está em contradição contínua

Tese, antítese, síntese
Da última surgirão novas contradições
Felizmente virá uma síntese frenética

Palmas ao ciclone da dialética
A mais íntima
É a minha vida.

(David Alves Gomes – 18 de outubro de 2007)

*Poema a ser publicado na Antologia Poética VI do Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus no ano de 2011

As "democráticas" eleições

Todo ano de eleições é a mesma coisa; dizem: “você deve exercer a sua cidadania e contribuir para a democracia”. Mas o que é a democracia e para quem esta está governando? E ainda, quais são os meios que dão continuidade a esse sistema político?
Inicialmente, deve-se saber o conceito de democracia, presente no Novo Dicionário Aurélio – Século XXI: “1. Governo do povo; soberania popular. 2. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, isto é, dos poderes de decisão e de execução; democratismo”; ou seja, se há uma soberania popular é porque as exigências da população são atendidas. Assim, numa democracia representativa, os representantes eleitos pelo povo devem satisfazer as necessidades do povo, trazendo a igualdade social, política e jurídica.
Contudo, esta linda teoria não condiz com a realidade ocidental. Observa-se um grupo social obtendo privilégios econômicos, jurídicos e políticos, que desencadeiam diversos tipos de desigualdade nos países. Assim, é formado um Estado que se preocupa, principalmente, com as aspirações da classe dominante vigente, implicando o surgimento de uma “democracia burguesa”. Um exemplo de favorecimento do Estado Burguês aos capitalistas, é o Governo Brasileiro (não só o atual, mas também outros) realizar o pagamento da dívida externa, esta que já foi paga inúmeras vezes através dos altos juros. Sem este capital, as melhorias sociais ficam limitadas.
No entanto, é preciso de meios para consolidar tal “democracia burguesa”. A Justiça Eleitoral é um dos que favorecem a permanência do sistema: os partidos políticos com menor quantidade de integrantes eleitos têm menos tempo para apresentarem suas propostas na propaganda eleitoral gratuita. A grande imprensa também participa no auxílio a essa organização política, pois também está inserida na sociedade e pertence à classe dominante, aspirando aos desejos dela. Assim, nas emissoras de televisão, em grandes jornais e revistas são pronunciadas mensagens em apoio ao sistema eleitoral existente. Além disso, para se elegerem, os políticos investem muito dinheiro nas campanhas, que conseguem com os grandes empresários que, posteriormente, irão querer benefícios em troca do investimento.
Para ocultar as conseqüências do descaso com a população, os governantes utilizam alguns artifícios como propagandas bem produzidas que impressionem a população, programas assistencialistas e realização de obras e auxílios próximos às eleições. Também é colocado o ano da eleição, no Brasil, dos principais cargos (presidente, governador, senador e deputados) no mesmo ano da Copa do Mundo de Futebol, pois a população brasileira se torna tão eufórica que “esquece” os atos de corrupção dos políticos (como o caso do “Mensalão”), que têm, também, nesta hora, o auxílio da imprensa.Portanto, estas eleições existem para legitimar a hegemonia política da classe social burguesa. Por isso, devemos ficar atentos contra as manipulações ideológicas. Esta consciência política é um grande passo para a resolução dos problemas sociais.

(David Alves Gomes - 2006)

Ordem e exclusão

Em grades, muros de concreto
Privados da liberdade
É onde vivem
“Infratores”, “destruidores da ordem”

Em grades, muros de concreto
Numa questionável liberdade
É como vivem
Os “íntegros”, os “seguidores da ordem”

“Seguidores” e “destruidores”
Não conseguem esconder as dores
Que um diz que o outro causou

Mas será que eles são causadores?
Ou são meros agentes sofredores
Que o sistema encarregou?

Os que comandam o sistema
São também “seguidores da ordem”
Mas diferentes dos outros
Muito dinheiro eles têm

Vivem numa questionável liberdade
Mas gastam dinheiro à vontade
Ao contrário dos outros “seguidores”
Moram bem longe das grades dos “infratores”

Destes, eles querem distância
Para eles, os “infratores” são umas “pragas”
E devem morrer isolados da bonança

Mas não só eles pensam assim
Grande parte dos “íntegros”
Nos “infratores” querem pôr a fim

A sociedade adora
Essas novidades
Livrar-se dos infortúnios
Na maior comodidade

A polícia está para trazer
A segurança dos “seguidores”
Ou estaria para trazer
A dos ricos “seguidores”?

Na mão da polícia
Também sofrem os “seguidores” pobres
Pois é fácil considerar-se “infrator”, um pobre

Se a polícia protege os ricos proprietários
Está protegendo a propriedade privada
E garantindo o bem-estar dos mercenários

Muitos “seguidores” pobres estão alienados
Acham que os “infratores”
São os “destruidores” da sociedade
E esquecem a culpa dos “seguidores” ricos

Os “infratores” também estão alienados
Atacam na maioria das vezes
As classes baixas da população
Sendo a desigualdade a culpada da situação

“Mas por que os ricos são culpados?
E como surgiu essa ordem de violência e caos?
Eu quero saber!” – diz o leitor atordoado

Ah, caro leitor
O que provoca a imensa desigualdade social?
O que causa o não investimento na educação?

A miséria fomenta uma grande revolta
Na cabeça das pessoas
O dito meliante fica com raiva
Desse panorama e da escolta

Eles não têm nada a perder
Não têm dinheiro, nem oportunidades
Por isso são condicionados a matar, roubar
Exceções de miséria e “ótima conduta” são mostradas na TV

As penitenciárias são verdadeiros solos
Para o cultivo da revolta do presidiário
Centenas deles numa cela os deixam mais incendiários

Porém, a classe dominante
Percebe que o mal está voltando para si mesma
Os crimes estão cada vez mais organizados

Mas ela teme ainda mais a união
Se os “seguidores” pobres e os “infratores”
Se unissem seria o término da sua hegemonia

Para isso não acontecer
Ela dissemina seus preconceitos e ideologias
Dividindo a classe trabalhadora
E as injustiças continuando a florescer

“Você é presidiário, sai do meu grupo!”
“Você é homossexual, sai do meu grupo!”
“Você é negro, sai do meu grupo!”
São casos que dividem a sociedade em grupos

“Eu só participo do combate ao machismo”
“Eu só participo do combate à homofobia”
“Eu só participo do combate ao racismo”
Por que também não participam do combate ao capitalismo?

O capitalismo saboreia
A fragmentação dos movimentos sociais
Até investe neles
Contanto que a causa não seja revoltas sociais

E então meu amigo,
Ainda acha que os presos das cadeias
São os destruidores da sociedade?
Acha que devem ficar nas condições das detenções?

Acha que isolados eles devem continuar?
Você gosta de sonhar, sem ver e fazer o trabalho “sujo”?
Acha que a sociedade já está unida, é democrática?
Desculpa... nada mais a declarar.

(David Alves Gomes – Abril/2007)

Corações unidos*

Momentos de tensão
Momentos de paixão
Momentos de compaixão
Momentos de solução

A vida inteira ao seu lado
Mesmo com todas as brigas e conflitos
Mesmo com os instantes desagradáveis
A sua presença se torna indispensável

Hoje cresci
Um dia nossos corpos se separarão
Mas nossos corações estarão em constante união
E na minha vida você sempre terá uma grande participação

Pois quando desejo voltar ao seu útero
Você me consola e me protege
Mostrando toda sua força e garra
A todo tempo deste mundo “bege”

Mas quando quero cortar o cordão umbilical
Você se revolta, mesmo de mãos atadas, e até entendo
É uma ação inerente ao seu ser protetor e acolhedor
Pois você é mãe.

*Poesia dedicada à minha mãe

(David Alves Gomes – Maio/2007)

O julgamento de Manoel

— Eu sou trabalhador, não sou ladrão não...
— Cala a boca, “viado”! Você vai morrer agora, filho da “puta”!
Manoel estava voltando do trabalho como costumava todos os dias. O ponto de ônibus era um pouco distante da sua casa, obrigando-o a uma andada considerável ao encontro do seu lar. Porém, neste dia, uma viatura da polícia veio se aproximando do rapaz. Um dos policiais fez sinal para ele parar. Ele obedeceu a ordem da autoridade policial. Cinco policiais saíram do carro e vieram em direção a Manoel:
— Ei, rapaz! Encosta aí no muro – disse um policial.
—Mas por quê? Eu...
— Encosta, “porra”! – gritou o policial, empurrando ele para o muro.
Os outros guardas começaram a revistá-lo. Todas as suas coisas foram jogadas no chão. Um policial pegou sua carteira, abriu-a e tirou sessenta reais dentro dela.
— Por favor, senhor. Esse dinheiro é tudo que eu tenho nessa semana...
— Cala a boca rapaz! Eu tenho uma proposta pra te fazer. Você tem sessenta reais, uma nota de dez e uma de cinqüenta....
— Eu ganho isso por semana... – Manoel interrompe o guarda.
— Cala a boca “mermão”! Não “ta” vendo que eu “tou” falando não?! – o policial dá um tapa na cara de Manoel que pôs-se a chorar – a minha proposta é: somos aqui seis cidadãos que estão precisando de dinheiro. Temos sessenta reais. Então não custa nada a gente dividir o dinheiro. Dez pra cada um. A gente pega cinqüenta e você fica com dez, toma aí.
— Mas assim a minha família vai passar fome, senhor.
— “Ó paí ó”! A gente quer ajudar “véi”, mas esses “pretos” não querem não – diz o policial.
— É, não adianta ser bonzinho não – diz outro.
— Não é ruindade não, caras. É que eu “tô” na dificuldade, bicho, por favor senhor – fala Manoel aflito.
— Isso é jeito de falar com a gente “rapá”?! “Cê” “tá” maluco é, seu “preto”?! – enfureceu-se o policial que está coordenando a operação.
— Desculpa, senhor.
— Desculpa, uma “porra”, seu “viado”! Você é muito do ingrato, isso sim!
— É porque você não sabe o que eu “tô” passando, senhor.
— Como você ousa me afrontar sua desgraça?! Sabe o que você merece? Merece é uma bela de uma “coça”.
Os cinco policiais começaram a espancar Manoel.
Ele, um trabalhador que não tem emprego fixo. Tem a profissão de pedreiro. Passa a vida fazendo “bicos”. Há um mês conseguiu um emprego temporário. Está trabalhando numa construção de um prédio, que durará alguns meses. Ele trabalha das oito da manhã às oito da noite com duas horas de almoço. Chega a casa depois das dez, pois sua casa é muito longe da construção. Tem que acordar-se às cinco da manhã para se aprontar e chegar pontualmente. Ele só completou o primeiro grau no colégio, pois teve que trabalhar desde cedo. Depois casou e teve quatro filhos com sua mulher, que não trabalha fora de casa para poder cuidar dos meninos. Manoel fez vários amigos no trabalho. Nesse dia, percebeu que seu amigo Pedro estava chorando e muito nervoso.
— O que foi, Pedro? Por que você está chorando?
— É minha filha, Manoel.
— O que aconteceu com sua filha?
— Ela morreu quando “tava” indo pra escola, com uma bala perdida. Eu recebi o telefonema da minha mulher neste instante – Pedro volta a chorar desesperadamente.
— “Ô” meu amigo – Manoel o abraça – eu sinto muito. Mas tenha a certeza que ela agora “tá” num ótimo lugar, na companhia de Deus... vá pra casa, descanse alguns dias.
— O enterro dela é hoje. Eu falei com o nosso supervisor e ele disse que é pra eu voltar amanhã.
— Como assim “véi”? Você perde a sua filha hoje e ele não te dá nenhum dia de descanso?
— O que eu posso fazer? “Tô” precisando do emprego.
— Eu vou falar com ele, não é assim não.
Manoel foi em direção ao supervisor e falou:
— Com licença, senhor. É porque o meu amigo Pedro perdeu a filha hoje.
— Sim e daí?
— Ele já vai ter que trabalhar amanhã? O senhor poderia dar uns dias de descanso a ele.
— O enterro é hoje. Amanhã ele pode voltar.
— Mas ele não vai ter condições de trabalhar.
— Olha meu rapaz, não se meta nisso! Se ele não trabalhar bem, eu o demito.
— Você não tem filho não, não tem pai, nem mãe, nem irmão ou algum parente que você goste muito não?
— Cale a boca se não quiser ser demitido agora mesmo. Quem manda nisso aqui sou eu! – gritou o supervisor.
Manoel sai revoltado. Despede-se do amigo que vai ao enterro da filha. Ele trabalha o resto do dia bastante indignado. Percebe como é dura a vida de um trabalhador pobre, que não teve oportunidades para completar seus estudos mesmo nas decadentes escolas públicas. Assim, deve se submeter aos abusos dos patrões e de toda e qualquer hierarquia sustentada por supostas autoridades para não sofrer as penalidades do sistema que extermina ou exclui aquilo que não convém à sua continuidade. A autoridade policial é uma delas; e na volta do trabalho ele foi abordado e obrigado a respeitar os abusos dos policiais.
— É porque você não sabe o que eu “tô” passando, senhor.
— Como você ousa me afrontar sua desgraça?! Sabe o que você merece? Merece é uma bela de uma “coça”.
— Ai! Ahrr! Ai! Ai! – grita Manoel.
— Ha! Ha! Ha! Ha! – os policiais dão gargalhadas.
— Se fosse um branco num carro importado vocês não fariam isso. Eu sou trabalhador, não sou ladrão não...
— Cala a boca, “viado”! Você vai morrer agora, “filho da puta”!
Os policiais sacam as armas e cada um dispara dois tiros. A nota de dez, que eles deixaram, desaparece no meio do líquido vermelho oriundo dos dez furos do corpo de Manoel.

(David Alves Gomes – 2007)

Cotidiano de uma rua

Pela manhã alguns ruídos
Cheiros aumentando gradativamente
Está chegando a hora do almoço
Televisões transmitem informações
Pessoas passando com sapatos

Final da tarde
É a volta dos trabalhadores e estudantes
Depois, janelas olham atentas
Nas portas, sorrisos alteiam as conversas
A vida alheia se torna um grande atrativo
Transforma-se numa novela ao ar livre

Falando em novelas
As noites são delas
Todos os aparelhos são ligados
Gritos, choros, risos, apreensão
Fazem parte da vida besta diante da TV
Aliás, a vida besta
Manifesta-se em quase todos os momentos.

(David Alves Gomes – Abril/2007)

Desejos

Uma profissão digna e prazerosa
Conquistar momentos felizes
Superar momentos infelizes
Uma linda e inteligente mulher
Um amor inflamável
Um mundo mais igualitário
Serão desejos ou sonhos?
Sonhos...
Enquanto não solitários
Nunca serão utopias
Apenas etapas a serem
Conquistadas, superadas, realizadas
Por todos nós.

(David Alves Gomes – Fevereiro/2007)

O Congresso

Estavam todos reunidos em torno da caixa que o agente eleitoral havia trazido. Ela ainda estava fechada, todos estranharam a abertura dos portões do colégio antes da sala estar arrumada para as eleições. Neuma estava bastante confusa com tudo isso, comentando com seu amigo Paulo:
— Não entendo, Paulo. Quando abrem os portões e entramos nas seções, elas sequer têm os mesários?
— É estranho... olha, o moço vai abrir a caixa.
— E ainda trazem essa caixa...
— Espera aí, ele está abrindo.
O agente eleitoral abriu a caixa, na qual continha uma urna eleitoral. Mas não era uma urna a qual a população estava acostumada.
— Mas cadê a urna eletrônica? O que nós vamos fazer com essa urna para papéis? – retrucou Neuma.
— Calma, pessoal – gritou um homem – meu nome é César, sou o encarregado de coordenar a votação neste colégio. Nós vamos ter uma mudança no processo eleitoral: agora vocês é que irão para o Congresso Nacional.
— Como assim? – indagou Neuma – Não vamos escolher os candidatos apresentados nos programas eleitorais?
— É, não iríamos teclar os números deles nas urnas eletrônicas? – reforçou Paulo.
Finalmente, o agente decidiu explicar:
— Não, minha gente, agora alguns de vocês se prontificarão a ser candidatos e vocês mesmos vão votar e se eleger. Vocês não estavam cansados da corrupção e descaso dos políticos? Agora o governo é de vocês.
— Não entendi – sussurrou Neuma para seu amigo – é melhor nós irmos embora para não termos um voto não consciente e estragarmos o show da democracia.
A sala foi ficando vazia, reaparecendo os antigos políticos que foram antes cassados.

(David Alves Gomes - 2006)

Pretendemos viver*

Milhões de meu povo, vocês mataram
E agora, terras, não querem nos dar?
“Saiam, seus primitivos!”, vocês gritaram
mas, agora, espaço não querem nos dar?

De uma maneira exótica
Nos vêem, muitos de vocês
“Quanta bravura e heroísmo há em vocês!”
É o que ouço várias vezes, até de forma erótica

Estigmas de violentos, outros nos dão
Dizem que somos selvagens e brutos
Por resistirmos à colonização
Pois sociedades não-ocidentais, a vocês, são verdadeiros insultos

No entanto, não deixaremos de lutar
Por nossas terras que foram roubadas
Muitos de vocês, poderemos matar
Pois não continuaremos a ser motivos de risadas

Constrangidos, por sermos “índios”, não vamos ficar
Assumiremos nossa identidade com muito orgulho
Do caminho, tiraremos muitos pedregulhos
Pois será grande, a viagem de volta ao nosso lar.

(David Alves Gomes – 2005)



*Poema publicado no ano de 2010 no livro "Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Poesia - V edição 2009" pela Giz Editorial

Amor moralista

Você disse que me amava
Disse que não traía
Disse que não fingia
Disse que não me enganava

Porém, sua máscara caiu
A minha também ruiu
Pois eu também te enganava e traía
Dizia que te amava e fingia

Já estou farto da monogamia!
Esta falsa incorporada em nossos dias
Através da noção de propriedade
Instituída m nossa sociedade

Leitor, não se engane com o amor
Ele existe, mas acaba com o tempo
Não se esqueça que o desejo é um fervor
Que juntamente ao amor vira um tormento

Este amor que falo é moralista
Que diz: “reprima seus desejos
Esqueça que houve mais um ensejo
De livrar-se dessa relação absolutista”

Mas eu grito com a moral:
Tu és falsa e patriarcal!
Enquanto os homens se divertem na mutreta
As mulheres devem ouvir maridos picaretas

Agora, tu estás ruindo
Pois apesar de continuar o machismo
As mulheres traem, menos obedientes ao moralismo
Enquanto permaneço, disso tudo, rindo

Porém continuam os casais de aparências
Dos quais tive intensa experiência
E dos quais, leitor, deve fugir
Prefira os desejos, não fique só no sentir

Tomara que em algum tempo
Exista alguém que diga: “eu te amo”
Pois agora só dizem: “você é meu”
É desta apropriação que eu lamento

Espero que você, minha ex-amada
Tenha sido, por mim, a última a ser enganada
Gostaria que você pregasse o amor verdadeiro
Um amor com desejos afora, mas sempre companheiro.

(David Alves Gomes – 2005)

Singelo discurso

Assim sempre será
Escolha um candidato para mudar sua vida
E também para governar sua vida
Assim sempre será

Assim sempre será
E ó!? Não se queixe quando ele mudar!
Mudar seu discurso, dizer que não dá
Pois assim sempre será

Utilizam-se da democracia
Para as eleições justificar
Mas sempre uma dúvida haverá
Ela existe, será?

Voto secreto com sufrágio eleitoral
Muito lindo, estamos contribuindo
Contribuindo para o quadro social
Elegendo um candidato para a melhoria social

Porém, parece ser diferente a presente realidade
As eleições são nada menos que um círculo vicioso
Substituições de indivíduos de uma mesma classe
De um mesmo interesse, isto sim é verdade

Os eleitos sempre favorecerão a burguesia
A classe dominante no sistema capitalista
Ela que sempre tentará dominar
De modo sutil, sofista e com muita hipocrisia

Está assustado leitor?
Pareço um extremista?
Mas, então, faça como eu
Vire um analista

Muito bem, caro leitor,
Gostaria de saber
Como um político ganha?
Quer descobrir tal façanha?

Analise a grande imprensa
Bastante influente no seu voto
Ela é imparcial? Os donos são pobres?!
Isto, você é quem pensa!

Como se ganha uma eleição?
Precisa-se investir muito nela
As propagandas são caras na televisão
Quem dá o dinheiro para esta rica eleição?

Analise, ainda, a Justiça Eleitoral
Alguns candidatos são mais favorecidos
Têm mais tempo para apresentar suas propostas
Você considera isso justo ou desigual?

Com as eleições nada mudará
São apenas jogos da classe privilegiada
Para manter-se no poder por maior jornada
Portanto, assim sempre será

Uma breve aula vou dar
Sobre a apropriação do capitalista
E a expropriação do proletariado
Para assim continuar

É através da mais-valia
Valor incorporado ao produto
Pelo trabalho do operário,
Que o burguês lucra no dia

É através da nossa passividade política
Que o burguês assegura o lucro sem briga
Acha que o patrão o mundo vai melhorar,
E a desigualdade continuará

Não, assim não continuará
Nós, proletários, viraremos o jogo
Acabará com esse sistema, o povo
E assim não continuará

Agora, meu caro
Me acha um idealista?
Esqueceu que somos maioria
No sistema capitalista?

Contra a nossa fúria
Arma não existirá
Pois homens fortes lutarão
Para assim não continuar

Contudo, deve-se educar
E a população se organizar
Através de um movimento social
Para o sistema se fragilizar

No entanto, as escolas oficiais
São limitadas pelo capitalismo
Somente com a educação popular
Que o povo se conscientizará

Portanto, políticos hipócritas
Nunca mais haverá
Pois com os conselhos populares
Todo o povo governará

E então, leitor, continua me achando um extremista?
Ou me acha apenas bom analista?
Que tal você também virar um analista
E tentar mudar a rotina capitalista?

Ah! Ainda me acha um idealista?
Meu discurso parece vazio?
Tudo bem, sem problemas meu caro amigo
Nas eleições, vote num capitalista.

(David Alves Gomes – 2005)

Sonhos e desejos na classe

A aula estava uma bagunça. O professor mal conseguia explicar o assunto que já não fluía mais nem com os poucos alunos interessados na aprendizagem intelectual, por causa do intenso barulho que os outros faziam. Tiros de bolinhas de papel, conversas contínuas e gargalhadas escandalizantes contribuíam para aquele estado da aula.
— Gente! Assim, não dá para se dar uma aula—reclamava o professor—o que vocês querem da vida?
— Eu quero transar!—gritou um aluno.
— Mas vocês só pensam em prazer?—retrucou o professor.
— Eu penso em ganhar dinheiro.—manifestou-se um outro aluno.
— E como você pensa em ganhar dinheiro?—ressaltou o educador—Você acha que os estudos nada têm a ver com o sucesso econômico, meu jovem?
— Ah, professor! Quem sabe eu arranjo uma mulher rica e viro gigolô. Assim, não preciso estudar nada—caçoou o aluno.
As gargalhadas, juntamente com os outros ingredientes, voltaram a fazer parte da receita da classe. A aula estava um caos, quando a coordenadora entrou e falou:
— Mas o que é isso?! Onde vocês pensam que estão; na casa da “mãe Joana”? Vocês acham que isso é atitude de rapazes e moças do ensino médio? Vocês são extremamente infantis, minha gente. Vocês estão perdidos no ano e ainda continuam bagunçando. Vocês não respeitam ninguém, nem a si próprios. Vocês são medíocres, é isso que vocês são: medíocres!...
Neste momento, um aluno imagina toda a classe mobilizada contra a coordenadora. Ela tenta fugir inutilmente, pois os alunos criam uma barreira ao redor dela.
— Agora chegou a sua vez, sua opressora—diz um aluno.
— Nós vamos acabar com você de porrada—afirma outro.
— Não, por favor!—exclamou a mulher—eu estou arrependida.
— Agora é tarde—gritaram em coro.
— Espere, gente. Que tal fazermos um jogo com ela?—ressalta um outro estudante.
— Um jogo?—perguntam os colegas—Que jogo?
— Sim. Um jogo. Olhem só: nós vamos fazer perguntas a ela sobre nossas vidas. Se ela errar, escolheremos um jeito para maltratá-la.
— E se eu acertar?—retrucou a pedagoga.
— Se você acertar, faremos várias perguntas até você errar—brincou o garoto vamos amarrá-la numa cadeira e começar o jogo.
Os alunos amarraram a coordenadora e deram logo início à diversão:
— Quem vai começar?—perguntou o idealizador do jogo.
— Eu começo—disse um menino.
— Logo você, Paulo? Você é totalmente desinteressado na aula. Só vive perturbando na sala—zangou-se a prisioneira.
— Ah, é? Então você vai me responder porque eu sou assim, professora.
— Por quê? Porque você é um idiota!
— Ela acertou, Paulo?—perguntou o colega.
— Não. Ela errou. Sabe por que eu sou assim, nobre educadora? Porque meus pais não dão a atenção que eu preciso. Eles mal conversam comigo. Quando tiro notas altas nas provas, eles dizem que é a minha obrigação. Não me fazem nenhum elogio. Pelo menos quando eu bagunço na sala e você os chama para uma reunião, eles me dão um pouco de atenção.
— Se ela errou, deve tomar uma porradinha...
— Não façam isso comigo!—implorou a coordenadora.
— Olha, pessoal! Vamos dar uma chance a ela. Se ela errar mais duas perguntas, podemos espancá-la.
— Certo!—gritou a maioria.
— Eu sou o próximo—pediu um rapaz—Me responda, professora: por que eu sempre gosto de me exibir na sala?
— Porque você é palhaço!
— Resposta errada. Eu gosto de me exibir porque quero ser aceito no grupo, na sociedade. Eu quero ser o mais popular da sala. Como intensifica a mídia, o mais popular é o mais bonito e mais engraçado. E como quero tanto isso, leio todo dia uma piada, para ficar engraçado, e tomo anabolizantes para ficar forte e mais bonito, conseqüentemente. Se você for observar os desfiles de moda, os modelos são sempre bem musculosos. Por isso, eu só penso em malhar.
— A terceira pergunta é a minha—antecipa-se um outro aluno.
— Se errar essa, vai ser linchada—diz o mentor do jogo.
— Vocês não têm o direito...—reclama a mulher.
— Cala a boca e ouve a pergunta: por que eu não estudo, no colégio?
— Porque você é simplesmente desinteressado. Você nunca vai passar numa faculdade pública, Carlos!—irritou-se a pedagoga.
— Você errou, pois não foi à questão central. Eu não estudo porque não preciso, para passar numa faculdade particular. É só eu pagar, para a instituição me dar o diploma—respondeu o Carlos.
— Vamos espancá-la—atiçou o criador da brincadeira—vamos acabar com esta opressora!
A pancadaria foi interrompida, pois, nesse momento, a ilustre coordenadora estava gritando com o aluno da mente fértil. Este voltou à realidade através dos berros da prisioneira da sua imaginação:
— Sérgio?! Eu estou falando com você! Você está surdo?!
— O quê, professora?
— Em quantas disciplinas você perdeu nessa unidade? Me responda.
— Seis, professora—respondeu constrangido o aluno.
— O que você fez durante a unidade inteira para perder em seis matérias? Você está jogando o dinheiro dos seus pais fora! Já estou cansada dessa turma! Mesmo alertando, vocês continuam do jeito que estão.
A pedagoga sai da sala e Sérgio ficou acuado e com muita vergonha. Mas não foi só ele. Quase todos tinham uma expressão calada e tímida. Porém, os olhos demonstravam a revolta que permanecia latente na sala de aula.
(David Alves Gomes - 2005)
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