quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Reflexões de um moribundo*

Ah, estou muito cansado. Falar de mim agora é moda. Atualmente em quase tudo usam meu nome. Sei que sou muito importante para todos, mas algumas pessoas querem é levar proveito usando a minha imagem. Estou numa situação muito delicada, na qual posso até correr risco de morte.
Não fique assustado, eu ainda tenho forças para falar sobre a minha imensa indignação. Quem sabe você não me ajuda? As florestas estão sendo dizimadas, os rios poluídos, os céus parecem mais contínuos fumantes passivos, daqui a pouco todos irão torrar de tanto aquecimento global. Mas nem todos estão preocupados com isso, dizem que ainda temos tempo para pensar, “deixemos a catástrofe na mão da próxima geração, vamos curtir a nossa vida”. Essa triste mentalidade ainda persiste em muitas pessoas, é a mentalidade imediatista do capitalismo: a velha máxima “tempo é dinheiro”.
Aliás, falando em capitalismo, foi a partir da Revolução Industrial introduzida pela burguesia capitalista que os desequilíbrios ambientais aumentaram. Ora, esse sistema só nos trouxe desgraça. Se por um lado os recursos naturais estão se esgotando, por outro o descaso dos governantes capitalistas com o ambiente social das classes baixas da população condicionam estas pessoas a condições subumanas de sobrevivência (claro, eles não moram nesses locais!). O esgoto a céu aberto entupido de lixos já é cotidiano, porém quando chove inunda toda a comunidade que fica sujeita a inúmeras doenças. Sem falar nos deslizamentos de terras que ocorrem nos morros. A necessidade de políticas públicas para o ambiente social é urgente.
Enquanto isso as autoridades discutem desenvolvimento sustentável de forma equivocada. Fazem “acordões” com empresas para plantarem árvores numa região isolada, para redução do imposto de renda daquelas, sem projetos de recuperação de algum bioma afetado (que projeto hein?!). E ainda se dizem preocupadas com a situação ambiental. Mas é claro, este aparente cuidado gera lucros polpudos para muitas empresas. Hoje, preocupar-se com o meio ambiente tornou-se um grande negócio. A elaboração de produtos através de processos que degradam menos o ambiente, como os recicláveis, agrega a esses produtos uma espécie de marketing ecológico, tornando-os mais atrativos, com maior status (o chamado produto “limpinho”, meu caro). A população comprando-os acha que está fazendo a sua parte e dorme tranqüila. As pessoas querem soluções fáceis. Ninguém pensa em abrir mão do seu carro para deixar de poluir o ar. Alguma indústria quer deixar de transportar seus óleos que contaminam centenas de rios e mares e causam um enorme desequilíbrio ecológico? Acho que não. Só querem saber de plantar árvores, construir bosques.
Infelizmente o capitalismo impõe limites aos projetos ambientais. Muitos ambientalistas e ONGs tentam reverter este quadro, lutam por leis de proteção ambiental e conseguem vitórias (continuemos na luta!). Mas o “grande mercenário inconseqüente” (é o capitalismo, meu amigo) apreciou as “armas” dos ambientalistas e criou ONGs “pelegas”. Ora, para que melhor do que ONGs que se dizem protetoras do ambiente, e praticam biopirataria ou auxiliam empresas nas licenças ambientais? Por isso estou bastante revoltado e enfermo. Abro os olhos e vejo o projeto do desenvolvimento sustentável descer para o ralo. Ou será que já está no esgoto ao ar livre das favelas? Ou junto ao óleo tóxico das indústrias? Não sei, talvez esse projeto esteja num chip de celular. Só sei que ele está sendo descartado como todas as coisas supérfluas e descartáveis que o nosso sistema cria quando usurpa e finda com os recursos naturais.
Pois é, falam de mim mas não resolvem o meu caso. Parece que aqui o lucro é mais importante. É repugnante falar sobre isso. Ah… esqueci de me apresentar. Meu nome é Meio Ambiente, muitos me chamam de Natureza. A minha situação é grave, mas se você não está nem aí para isso, o que me resta é ficar indignado além de rir da sua cara. Se eu falecer hoje, daqui a uns anos faço sucessão ecológica. E você? Você, ser humano, que parece mais um parasita que tudo corrói, será extirpado de mim para sempre. Se você ainda acha que tempo é dinheiro, eu lhe digo: daqui a algum tempo, dinheiro não será artilheiro e tempo será um tormento.
(David Alves Gomes – 27 de julho de 2008)


*Conto publicado no ano de 2010 na Antologia Balões Coloridos pela editora Via Literária

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Resenha de "O que é socialismo, hoje"

Esta é uma resenha que eu fiz sobre o livro "O que é socialismo, hoje" de Paul Singer. Ele trata das problemáticas encontradas na implantação do socialismo. É só clicar no link para baixar. O primeiro parágrafo:

O socialismo, no século XX, foi a grande promessa de um modo de produção em que houvesse igualdade social. Porém o socialismo real demonstrou através da União Soviética ser tão opressor quanto o capitalismo, no momento que assassinava todos seus opositores políticos, sendo a maioria composta por integrantes do próprio partido. Mas será que a construção do verdadeiro sistema socialista é impossível? É essa questão que o economista marxista e doutor em Sociologia Paul Singer tenta explanar aos leitores em O que é Socialismo, hoje.

sábado, 31 de maio de 2008

Alfabeto social*

Autoridade ataca armada
Bestialidade, brinquedo, babaca
Comodidade corrói comunidade
Direitos, dignos desejos
Exija, encare, entenda
Faça força, funerais
Ganhe guerra, garra
Hodierna hipocrisia histórica
Indiferença, ignomínia inaceitável
Jaula jura justiça...
Liberdade, limite: libertação
Movimentos movem moinhos
Nação? Nada nosso
Operário oprimido: “onipresente”
Patrão protege propriedade
Quotidiano quase quente
Repressão: restaurar rota
Sociedade saqueia, sentencia
Trabalhador tem tarefas
Urgente união, ultimato
Virar vendaval, vencer
Xeque-mate: xilindró xenófilo
Zaga, zênite, zigoto-homem.


(David Alves Gomes – 31 de maio de 2008)


*Poema publicado em 2011 no livro IV Antologia de Poetas Lusófonos pela editora Folheto Edições & Design

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A Rosa a caminho

Sinta, mas não perceba
Tenha sede, mas não beba
Olhe, mas não seja rei
Viva, mas não burle a lei

Operário, no trabalho, explorado
Obediente ao patrão que não deve ser contestado
Prisão do posseiro deve ser aceita
Sistema diz que tudo endireita

Mulher não pode o homem trair
Enquanto o homem trai escondido e ri
Desejos sexuais devem ser camuflados
Moral machista mantém todos os cuidados

Lugar de negro pobre é no final
Lugar de gay é no hospital
Lugar de “infrator” é na cadeia
A exclusão a sociedade permeia

Porém nada é imutável
A sociedade é transformável
Os excluídos possuem voz ativa
O sistema está indo à deriva

Conquistas diárias é o primeiro passo
Conquistas profundas talvez precisem de aço
A práxis já está perfurando a rocha
A rosa do povo cada vez mais se desabrocha.

(David Alves Gomes – 28 de maio de 2008)

domingo, 25 de maio de 2008

A Vida

A vida é assim: cheia de perguntas e respostas a serem feitas e solucionadas. Ela, então, transforma-se numa grande dialética de interrogações: à medida que respondemos uma, sintetizamos uma lição de vida. Desta síntese surgem novas contradições que devemos solucionar.
Pois como disse o filósofo alemão Karl Marx: “Tudo que é sólido desmancha no ar”. As interrogações são sólidas, resistentes, mas nem por isso resistem à ação do tempo e do nosso aprendizado na vida.
Assim, surgirão novos pontos de interrogação, os quais serão novas fortalezas, mas que serão derrubadas pelo ciclone da dialética mais íntima, mais pessoal para nós: a nossa vida.
(David Alves Gomes - 2007)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Poema completo

Queria fazer um poema
Mas não consigo escrevê-lo
Um poema que retrate a realidade
E que tenha vivacidade

Que tenha um ritmo envolvente
E que minha vida oriente
Mas que fale de toda a humanidade
E que privilegie a diversidade

Um poema pessoal
Um poema universal
Um poema social

Transborde estas linhas, meu poema
Me caia como uma pena
Surja com o perfume de uma flor serena.


(David Alves Gomes – 30 de abril de 2008)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Isabella Nardoni: a novela

Isabella Nardoni, uma menina de apenas cinco anos, foi assassinada pelo próprio pai, com o auxílio da madrasta Ana Carolina Jatobá. A criança foi jogada do prédio da casa do pai, Alexandre Nardoni. Ela estava em dia de passeio com Alexandre, que na volta para casa arremessou sua filha pela janela. Muito bem, para uma notícia curta, pode-se terminar aí. Para uma mais longa, os detalhes podem ser expostos sem teatralidade. Porém, não é assim que a grande imprensa trata este caso: “Depois o criminoso se apruma, ajoelha-se na cama e encosta o peito na tela. Passa as pernas enquanto segura a criança pelas mãos, a 20 metros de altura. Primeiro solta a mão esquerda e, em seguida, a direita. Os dedos da menina deslizam pelo parapeito, deixando um rastro de sangue. Isabella ainda vivia. Só o impacto da queda é que determinaria a morte” (Fonte: www.yahoo.com.br – 20 de abril de 2008).
Mas o que é isso? Meu irmão disse que parece um romance policial. Talvez a imprensa show e os seus apresentadores que se dizem jornalistas queiram desbancar o lugar do grande livro Sherlock Holmes. Esta não é a primeira vez que a mídia transforma uma tragédia num espetáculo para atrair audiência. Esses modelos de reportagens são bastante costumeiros; de vez em quando aparece uma notícia pouco importante que vira manchete na TV, nos jornais e revistas. Não estou querendo dizer que não foi um crime cruel. Foi sim. E os autores devem ser punidos. Porém, não é preciso que haja tanto bombardeio de reportagens sobre esse assunto que é muito comum no Brasil: já perdemos a conta de quantos pais ou mães sociopatas matam os seus próprios filhos. Mas por que um tratamento especial no caso de Isabella?
Muito bem, o “Showrnalismo”, neologismo criado pelo grande jornalista José Arbex Jr. (no seu livro O Showrnalismo: A notícia como espetáculo), escolhe muito bem os casos, aproveitando a pieguice das pessoas, tal qual ela mesma ajuda a produzir. Ouvi muita gente dizer: “Que pena, uma menina tão linda como essa, morrer assim, tão cheia de vida, que crueldade...”. Nossa, estou quase chorando. Mas antes disso, vamos nos ater ao depoimento que constantemente ouvimos. Por que o uso do “menina tão linda”? Se fosse feia, no julgamento do padrão de beleza racista das classes dominantes, disseminado na maioria da sociedade, ela poderia morrer? Acho que não. Mas é aí que está: o sentimento de piegas não é apenas ridículo, não obstante apresenta em seu meio preconceitos enraizados da sociedade. Essa imprensa medíocre e pobre em conteúdo faz nada menos que um sensacionalismo que o público piegas aplaude. Resta ressaltar que a grande mídia tem um papel importante na “pieguização” das pessoas, pois assim o público lerá ou assistirá suas reportagens sensacionalistas, assistirá e chorará com suas novelas e todos os outros melodramas.
Dessa forma, o “caso Isabella” deveria ser tratado de forma natural, como todas as outras tragédias que acontecem no país; claro que individualizando cada caso, pois as notícias tratam de pessoas (o que não acontece na grande mídia). Pois como já disse o rapper MV Bill: “Como pode ser tragédia a morte de um artista e a morte de milhões uma estatística?”. Isabella não é, mas virou uma artista nas mãos da mídia show que explora de forma inescrupulosa as tragédias para renderem mais lucros. A imprensa pode e deve cobrar justiça, mas não precisa transformar esta ação num espetáculo melodramático. Aliás, a grande imprensa nunca esteve interessada em justiça quando sempre esteve ao lado das classes dominantes, que também representam suas aspirações. Por isso, cobremos justiça com um sentimentalismo sóbrio, desprezemos o showrnalismo da mídia que incentiva um sentimentalismo tresloucado. Por fim, “despieguemo-nos”.

(David Alves Gomes – 29 de abril de 2008)

sábado, 12 de abril de 2008

A trajetória é revolucionar*

A trajetória do negro brasileiro sempre foi de luta
Quando escravo, lutava nos engenhos, quilombos e ruas com muita labuta
Hoje, livre, mas ainda excluído pelo sistema
Também age em movimentos para não seguir sofrendo penas

Porém há um empecilho à sua ascensão social
O racismo interfere muito no panorama social
Neste país, um negro pobre sofre mais que um branco pobre
A maioria dos pobres, no Brasil, é de cor negra: os brancos detêm mais cobre

Além disso, há a violência psicológica
O preconceito é sempre reproduzido, e isto tem uma lógica
Alguns indivíduos negros, por se sentirem inferiores aos brancos
Causam revolta inconseqüente ou mostram passividade frente aos brancos

Não podemos entrar numa luta de cores, e sim numa luta de classes
Todos juntos, brancos e negros proletários, devemos resolver este impasse
Se os negros, em sua maioria, são pobres em nossa sociedade,
O racismo também serve para manter o capitalismo com tranqüilidade

E, para reforçar todo este quadro, negros “pelegos” entram no Estado burguês
Para que o negro trabalhador com eles se identifique e vire “freguês”
Felizmente os movimentos negros estão na luta contra o racismo
E é imprescindível não esquecer: ele é reproduzido e financiado pelo Capitalismo.


(David Alves Gomes – 18 de dezembro de 2007)
*Poema publicado no ano de 2008 na Antologia Poética III do Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus pela Giz Editorial

segunda-feira, 31 de março de 2008

Sincero amante

Ah! Minha linda
Sabia que não iria conseguir
Ao meu charme e ousadia resistir
Cativei-a e não adiantou insistir

Seu corpo é como imaginava
Quando a despia com o meu olhar
Você inteira se acabrunhava
Enquanto eu percebia um fogo a lhe inflamar

Ah! Minha linda
Hoje juntos estamos felizes
Nossa amizade e sexo têm poucos deslizes
Você faz de mim, degustador intenso de suas raízes

O nosso amor é lindo
Mas como eu, se ainda não, irá me trair
Aliás, por que a palavra “trair”?
Nada mais natural ter novos desejos rindo

É impossível controlar nossos instintos
A não ser com uma moral bem presente
A mesma que discursam os machistas cínicos
A mesma do padre amante de freiras ardentes

Ah! Minha linda
Não pense que não te amo
Com certeza o nosso amor não se finda
Outras relações superam o dia-a-dia dos nossos anos

Você imprime a minha vida
Seu corpo me afoga em contínuos desejos
Mas se quiser acabar, aproveite o ensejo
Que eu procurarei uma nova mulher que complete minha vida.

(David Alves Gomes – 30 de março de 2008)

segunda-feira, 17 de março de 2008

Uma solução para a ordem vigente

Para resolver um problema
Deve-se estuda-lo
Este é um problema
Que contém ideologias supremas

Esse problema
É a sociedade capitalista
Que com muitos emblemas
Se faz de bonita

Mas veridicamente
O capitalismo tem vários defeitos
Oprime uma classe absurdamente
Sem respeito

Esse sistema
Se baseia em lucros
Que sem compaixão
Explora muitos

São chamados de burgueses
Os que detêm os meios de produção
São chamados de proletários
Os que trabalham para o patrão

A mais-valia é o dinheiro
Que o trabalhador devia receber
É através dela
Que o burguês fica rico pra valer

O lucro do patrão
É o dinheiro roubado do trabalhador
Tornando-se então
Uma grande exploração

Para destruir esse sistema
É preciso de conscientização
Que não é uma tarefa fácil
Pois existe a alienação

Futebol, televisão
A grande mídia e alguns tipos de músicas
Todas as formas de “entretenimento improdutivo”
São utilizadas como alienação

Se você está alienado
Está disperso e conformado
E não está preocupado
Com uma reivindicação

Existem também
As grandes ideologias burguesas
Como a de “ter propriedade
É ter liberdade”

Mas na verdade
O proletário nunca teve grande propriedade
Pois o seu salário real do mês
É tirado pelo burguês

Assim ele só sustenta
De forma precária
A sua família
Ganhar mais é o que ele tenta

Ter liberdade
É viver bem
Ter liberdade
É ter saúde, educação e lazer

O consumismo
Foi impulsionado pela burguesia
Que para aumentar seus lucros
Implantou essa ideologia

Um mundo justo
Só se consegue com o socialismo
Onde é abolida a grande propriedade
Onde tudo é socializado

Chegando ao comunismo
Tudo é comum para todos
Onde todos vivem de forma digna

Para não haver risco de burocratização
Todos devem estar espertos
Pois o futuro é incerto
A atividade e vigilância compõem a democratização

Para chegar-se lá
É preciso de uma revolução
Que para tê-la
Necessita-se de uma conscientização

Para tanto
Precisa-se desestruturar as ideologias
Que já se começa
Com esta poesia.

(David Alves Gomes – 2003)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O cotidiano faz o carnaval

O carnaval acabou. A vida voltou ao normal. Estudantes voltam para suas escolas. Trabalhadores voltam aos seus empregos. Quem está desempregado volta a procurar trabalho. Mas vamos voltar ao carnaval, falaremos da volta ao cotidiano monótono da maioria da população depois.
Vamos fazer agora uma descrição do carnaval baiano, comentado popularmente como a festa das misturas de todos os povos do mundo, como uma festa na qual todos estão unidos em prol da alegria e da diversão. Dividindo o carnaval da Bahia em trabalhadores e foliões, temos, principalmente, entre os trabalhadores, os vendedores ambulantes e de barracas, os cordeiros e seguranças de blocos de trio, os que trabalham nos camarotes e os catadores de latas. Entre os foliões temos os que estão dentro dos blocos de trio, os que estão em camarotes, os que estão em arquibancadas e os que estão no chão e fora dos blocos, o chamado folião “pipoca”.
Pois bem, enquanto uns estão se divertindo, outros estão trabalhando, muitos em circunstâncias bastante difíceis (os cordeiros e seguranças que devem manter a segurança no bloco) ou miseráveis (os catadores de latinhas que ganham uma miséria pelo quilo das latas). Contudo, nem todo folião é igual: há aqueles que podem pagar para terem conforto e segurança, como os que saem em blocos de trio ou camarotes; há aqueles que não tem condições de pagar e saem na rua, na “pipoca”; ainda há uma imitação grotesca dos camarotes, as arquibancadas (em que muitos têm a coragem de chamar de camarotes), onde os pobres amontoam-se e ficam impossibilitados de sair para não perderem o lugar (é o sonho desvairado do camarote ou da segurança no carnaval). Agora também existem alguns blocos de trio bem baratos, nos quais parecem a chamada “pipoca” pala quantidade de pessoas e segurança duvidosa.
Nesse sentido, a festa do carnaval reflete o nosso panorama social. Cada espaço está reservado a uma classe social. Quem pode pagar, logicamente, terá acesso aos melhores locais. Quanto à insegurança que tanto falamos, ela é uma reação ao desgosto, ou raiva descontrolada, da vida da população. O carnaval tornou-se uma festa, antes de tudo, para extravasarmos os nossos anseios, nossas angústias, nossa raiva. É uma festa em que todos se libertam do seu cotidiano, da sua vida medíocre para ter um pouco de prazer, seja ouvindo e vendo seus artistas favoritos, seja beijando ou fazendo sexo, seja brigando com os outros. O carnaval é um alívio temporário que o sistema concedeu. O que você tinha vontade de fazer, você poderá fazer dentro de limites. A polícia está para impor esses limites (afinal é o papel do aparelho repressor do Estado). Por isso é necessária a segurança particular para os mais abastados. Estes pagam para isso, mas também para não se “misturarem” com os outros, as classes menos favorecidas, (mas não era a festa das “misturas”?). Assim, é na “pipoca” onde há brigas intensas e sem motivos. O folião briga sem inimigo. Aliás, o rosto do inimigo está turvo. Ele é o sistema capitalista que nos oprime no dia-a-dia. É ele que o folião tenta agredir, mas este não sabe.
Portanto, o carnaval é uma festa comercial que reflete a nossa conjuntura social. Além de ser uma festa excludente, é nele que extravasamos aquilo que estava latente, pois ele é o quadro pintado do nosso sistema. Quadro em que consistem metáforas do nosso cotidiano. Agora que a festa acabou, voltemos à nossa vidinha de sempre. Não é isso que o sistema quer?
(David Alves Gomes – 18 de fevereiro de 2008)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Faça uma poesia

Se você quer apenas falar de poesia
Lembre-se de falar dos grandes poetas
Fale também dos novos e bons poetas
Discurse sobre métrica e rima

Se você quer apenas falar de poesia
Não esqueça a contribuição do modernismo
Que introduziu os versos livres, além de outras coisas mais
Valorize os poetas clássicos e contemporâneos: cada qual com a sua época

Mas se você quer fazer uma poesia
Lembre-se de estar relaxado (não disse calmo)
Poesia requer atenção e disciplina
Qualquer detalhe pode mudar aquilo que deseja transmitir

Se você quer fazer uma poesia
Vai ter que, também, falar de poesia
O fazer poético é dialético
Fale e faça, estude e escreva

Numa poesia seja sensível com o mundo, com as pessoas
Numa poesia seja agressivo quando achar necessário
Numa poesia traga o legado dos antigos poetas
Numa poesia liberte a sua voz e ganhe forças para modificar a vida

Pois poesia é dançar, cantar, amar
Poesia é trabalhar para mudar a sociedade
Poesia é ser contraditório, é aprender dialeticamente
Poesia é estar vivo.

(David Alves Gomes – 29 de janeiro de 2008)
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