sábado, 23 de fevereiro de 2008

O cotidiano faz o carnaval

O carnaval acabou. A vida voltou ao normal. Estudantes voltam para suas escolas. Trabalhadores voltam aos seus empregos. Quem está desempregado volta a procurar trabalho. Mas vamos voltar ao carnaval, falaremos da volta ao cotidiano monótono da maioria da população depois.
Vamos fazer agora uma descrição do carnaval baiano, comentado popularmente como a festa das misturas de todos os povos do mundo, como uma festa na qual todos estão unidos em prol da alegria e da diversão. Dividindo o carnaval da Bahia em trabalhadores e foliões, temos, principalmente, entre os trabalhadores, os vendedores ambulantes e de barracas, os cordeiros e seguranças de blocos de trio, os que trabalham nos camarotes e os catadores de latas. Entre os foliões temos os que estão dentro dos blocos de trio, os que estão em camarotes, os que estão em arquibancadas e os que estão no chão e fora dos blocos, o chamado folião “pipoca”.
Pois bem, enquanto uns estão se divertindo, outros estão trabalhando, muitos em circunstâncias bastante difíceis (os cordeiros e seguranças que devem manter a segurança no bloco) ou miseráveis (os catadores de latinhas que ganham uma miséria pelo quilo das latas). Contudo, nem todo folião é igual: há aqueles que podem pagar para terem conforto e segurança, como os que saem em blocos de trio ou camarotes; há aqueles que não tem condições de pagar e saem na rua, na “pipoca”; ainda há uma imitação grotesca dos camarotes, as arquibancadas (em que muitos têm a coragem de chamar de camarotes), onde os pobres amontoam-se e ficam impossibilitados de sair para não perderem o lugar (é o sonho desvairado do camarote ou da segurança no carnaval). Agora também existem alguns blocos de trio bem baratos, nos quais parecem a chamada “pipoca” pala quantidade de pessoas e segurança duvidosa.
Nesse sentido, a festa do carnaval reflete o nosso panorama social. Cada espaço está reservado a uma classe social. Quem pode pagar, logicamente, terá acesso aos melhores locais. Quanto à insegurança que tanto falamos, ela é uma reação ao desgosto, ou raiva descontrolada, da vida da população. O carnaval tornou-se uma festa, antes de tudo, para extravasarmos os nossos anseios, nossas angústias, nossa raiva. É uma festa em que todos se libertam do seu cotidiano, da sua vida medíocre para ter um pouco de prazer, seja ouvindo e vendo seus artistas favoritos, seja beijando ou fazendo sexo, seja brigando com os outros. O carnaval é um alívio temporário que o sistema concedeu. O que você tinha vontade de fazer, você poderá fazer dentro de limites. A polícia está para impor esses limites (afinal é o papel do aparelho repressor do Estado). Por isso é necessária a segurança particular para os mais abastados. Estes pagam para isso, mas também para não se “misturarem” com os outros, as classes menos favorecidas, (mas não era a festa das “misturas”?). Assim, é na “pipoca” onde há brigas intensas e sem motivos. O folião briga sem inimigo. Aliás, o rosto do inimigo está turvo. Ele é o sistema capitalista que nos oprime no dia-a-dia. É ele que o folião tenta agredir, mas este não sabe.
Portanto, o carnaval é uma festa comercial que reflete a nossa conjuntura social. Além de ser uma festa excludente, é nele que extravasamos aquilo que estava latente, pois ele é o quadro pintado do nosso sistema. Quadro em que consistem metáforas do nosso cotidiano. Agora que a festa acabou, voltemos à nossa vidinha de sempre. Não é isso que o sistema quer?
(David Alves Gomes – 18 de fevereiro de 2008)

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