quarta-feira, 30 de abril de 2008

Isabella Nardoni: a novela

Isabella Nardoni, uma menina de apenas cinco anos, foi assassinada pelo próprio pai, com o auxílio da madrasta Ana Carolina Jatobá. A criança foi jogada do prédio da casa do pai, Alexandre Nardoni. Ela estava em dia de passeio com Alexandre, que na volta para casa arremessou sua filha pela janela. Muito bem, para uma notícia curta, pode-se terminar aí. Para uma mais longa, os detalhes podem ser expostos sem teatralidade. Porém, não é assim que a grande imprensa trata este caso: “Depois o criminoso se apruma, ajoelha-se na cama e encosta o peito na tela. Passa as pernas enquanto segura a criança pelas mãos, a 20 metros de altura. Primeiro solta a mão esquerda e, em seguida, a direita. Os dedos da menina deslizam pelo parapeito, deixando um rastro de sangue. Isabella ainda vivia. Só o impacto da queda é que determinaria a morte” (Fonte: www.yahoo.com.br – 20 de abril de 2008).
Mas o que é isso? Meu irmão disse que parece um romance policial. Talvez a imprensa show e os seus apresentadores que se dizem jornalistas queiram desbancar o lugar do grande livro Sherlock Holmes. Esta não é a primeira vez que a mídia transforma uma tragédia num espetáculo para atrair audiência. Esses modelos de reportagens são bastante costumeiros; de vez em quando aparece uma notícia pouco importante que vira manchete na TV, nos jornais e revistas. Não estou querendo dizer que não foi um crime cruel. Foi sim. E os autores devem ser punidos. Porém, não é preciso que haja tanto bombardeio de reportagens sobre esse assunto que é muito comum no Brasil: já perdemos a conta de quantos pais ou mães sociopatas matam os seus próprios filhos. Mas por que um tratamento especial no caso de Isabella?
Muito bem, o “Showrnalismo”, neologismo criado pelo grande jornalista José Arbex Jr. (no seu livro O Showrnalismo: A notícia como espetáculo), escolhe muito bem os casos, aproveitando a pieguice das pessoas, tal qual ela mesma ajuda a produzir. Ouvi muita gente dizer: “Que pena, uma menina tão linda como essa, morrer assim, tão cheia de vida, que crueldade...”. Nossa, estou quase chorando. Mas antes disso, vamos nos ater ao depoimento que constantemente ouvimos. Por que o uso do “menina tão linda”? Se fosse feia, no julgamento do padrão de beleza racista das classes dominantes, disseminado na maioria da sociedade, ela poderia morrer? Acho que não. Mas é aí que está: o sentimento de piegas não é apenas ridículo, não obstante apresenta em seu meio preconceitos enraizados da sociedade. Essa imprensa medíocre e pobre em conteúdo faz nada menos que um sensacionalismo que o público piegas aplaude. Resta ressaltar que a grande mídia tem um papel importante na “pieguização” das pessoas, pois assim o público lerá ou assistirá suas reportagens sensacionalistas, assistirá e chorará com suas novelas e todos os outros melodramas.
Dessa forma, o “caso Isabella” deveria ser tratado de forma natural, como todas as outras tragédias que acontecem no país; claro que individualizando cada caso, pois as notícias tratam de pessoas (o que não acontece na grande mídia). Pois como já disse o rapper MV Bill: “Como pode ser tragédia a morte de um artista e a morte de milhões uma estatística?”. Isabella não é, mas virou uma artista nas mãos da mídia show que explora de forma inescrupulosa as tragédias para renderem mais lucros. A imprensa pode e deve cobrar justiça, mas não precisa transformar esta ação num espetáculo melodramático. Aliás, a grande imprensa nunca esteve interessada em justiça quando sempre esteve ao lado das classes dominantes, que também representam suas aspirações. Por isso, cobremos justiça com um sentimentalismo sóbrio, desprezemos o showrnalismo da mídia que incentiva um sentimentalismo tresloucado. Por fim, “despieguemo-nos”.

(David Alves Gomes – 29 de abril de 2008)

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